quinta-feira, 5 de junho de 2014

Os lugares em que estamos e os que ocupamos


“As pessoas não interagem mais”. “As pessoas não conseguem prestar mais atenção”.... Essas e muitas outras são frases corriqueiras quando o assunto é tecnologia, principalmente móvel. Dizem que as pessoas estão se distanciando, que a tecnologia as afasta e empobrece as relações. Para alguns autores na área das ciências humanas e da saúde, isso pode ser um quadro patológico, chegando ao ponto de um artigo mencionar como possível causa de autismo o uso de tecnologias. Tenho uma visão muito diferente e gostaria de expô-la nas próximas linhas.

Começarei pelo básico. No fundo, a internet não é uma rede de computadores, mas uma rede de pessoas. Sejam os usuários do Facebook, o blogueiro ou o webdesigner. Mesmo por trás do site mais institucional, existem pessoas que produzem seu conteúdo. Ou seja, se estamos conectados, estamos conectados a outras pessoas. Dessa forma, se várias pessoas em um lugar estão com seus celulares, não quer dizer, necessariamente, que não conseguem se conectar, mas sim que se conectam a outras pessoas, em outros lugares.

Vamos nos aprofundar um pouco mais em outro exemplo. Na foto acima, vemos uma sala de aula, nela, seus alunos parecem não se importar com a professora e seu conteúdo, estão imersos no mundo que seus gadgets oferecem. Mas o que isso significa? Será que essas crianças são incapazes de se concentrar na aula, mais um caso de TDAH? Não! Se reparar eles estão muito atentos, só que não na professora. São vítimas da tecnologização, incapazes de um contato humano? Também é pouco provável. Por conhecimento próprio, a maioria deles deve estar no Face, no WhatsApp  ou no Instagram (ou seja, estão no Facebook mesmo), ou seja, estão se comunicando de forma quase instantânea com diversas pessoas e suas produções. Ou seja, será que, quando percebermos que nós não nos mantemos cativados por uma aula formal, onde o conteúdo é empurrado em nossas cabeças por um ser superior, estamos identificando uma regressão humana ou percebemos um atraso na instituição escolar diante destes novos mundos? As instituições são disciplinares e resistentes. Disciplinares na medida em que demandam de seus institucionalizados uma existência adequada a sua própria, seja por presença, horário, vestuário ou mesmo modos de pensar e agir. O caráter resistente deve-se à própria existência da instituição. Esta não se faz no vazio, é criada no contato e no contrato entre humanos. Para continuarem existindo precisam manter as situações que possibilitaram sua existêncua. Para isso algumas nos constrangem de forma incrivelmente cristalizada, outras vemos seu florescer e participamos ativamente de sua criação. As mais cristalizadas aparecem com muita força em nossa história, como a escola. Suas estruturas se fortalecem na naturalização (“toda escola é assim”). Diante do paradigma da tecnologia conectada, a escola perde gradativamente sua força de coerção.

Mas como se dá essa perda? Identifico dois pontos cruciais com os quais a tecnologia passa a afrontar as instituições. O primeiro é mais específico, o segundo, mais geral, é o tema central desse texto. O primeiro ponto é uma enorme ruptura que a tecnologia trouxe. Em 2013, a Forbes apontou que metade dos aparelhos conectados estavam acessando o Google. Vamos lembrar que antes do Gmail ou do Drive, o Google é uma empresa de buscas. Ou seja, de forma geral, nossa forma de estar na internet é permeada fortemente pela dúvida, pela vontade de saber. Mesmo que seja para confirmar a fofoca do Yahoo ou o jogo de ontem. Hoje nós temos na ponta de nossos dedos acesso quase ilimitado a qualquer informação. Somos todos pesquisadores em uma biblioteca infinita. Essa mudança nos coloca diante de uma nova postura diante da informação.

Antigamente, nossos diplomas eram comprovações de que carregávamos em nossa cabeça uma quantidade mínima de informação sobre determinado assunto. Um clínico sabia uma quantidade inúmera de sintomas e suas possibilidades diagnósticas. Um contador sabia de cor várias equações e cálculos tributários. Hoje, como podemos perceber, isso não acontece mais. Nosso diploma tem duas grandes representações. Primeira, fomos inseridos em discussões que nos inflaram com formas de pensar próximas à nossa área e dentro de um discurso ético. A segunda, que conseguimos achar informações relevantes sobre assuntos da nossa área. Ou seja, somos tão pesquisadores quanto um aluno do primeiro grau que acessa o Google, o grande diferencial está na nossa capacidade de buscar e criticar as informações. Contudo, nas nossas salas de aulas, ainda se tem a ilusão que os alunos estão lá para receber informação. Nesse momento, como vemos na imagem, eles ignoram o conteúdo jogado e buscam, acham, compartilham e criam. Eles não estão interessados em ouvir, querem dialogar, trocar, postar e curtir. Será que as instituições de ensino conseguem se manter vivas nesse novo momento? Sinceramente, acho que só com uma educação participativa, onde o conhecimento não é uma propriedade, mas uma criação coletiva.

Bom, este foi o primeiro ponto, sigamos para o segundo. Como dito, este é mais geral, mas não mais importante. Com a chegada dos computadores, um mundo misterioso se desenvolvia, o cyberespaço. Nós fomos, com o tempo, percebendo que a máquina tinha uma capacidade incrível, ela criava espaços. Os sitios, ou sites, são exatamente lugares onde a informação se encontra organizada e apontando para outra. Esse lugares, inicialmente, eram pouco habitados, sombrios. Tanto que mexeram com a imaginação de muitos, fosse em Tron ou Superhuman Samurai. Porém, agora, nós habitamos esses espaços. Descobrimos que lá podemos encontrar muitas coisas (além da pornografia). São pessoas, informações, música, filmes, livros…Podemos passear pelo Louvre (ainda vou fazer isso) e assistir uma série que só passa no Japão, sem sair do lugar. Ou seja, nesse espaço posso ir para qualquer outro, posso ocupar qualquer lugar e interagir com quem eu quiser.

Fica, então, a pergunta: Se posso estar em qualquer lugar ou com quem quiser, por que estaria aqui com você? Mesmo que meu corpo esteja obrigado a permanecer dentro de uma sala por horas, por que não posso assistir ao Porta dos Fundos, que me parece mais interessante e divertido? A barreira da presença foi quebrada. Posso estar na sala mas ocupar um grupo no Whatsapp. Posso estar em uma festa mas ocupar uma partida on-line em meu Android. Posso estar de frente a você, mas falar com meu irmão na China via Hangout. Mas qual o cerne da questão? O desejo. O desejo que nos faz interagir, buscar, compartilhar e criar. Aquilo de mais humano que pode existir. Meu corpo poder ser obrigado a ocupar um lugar por horas, mas com uma tela discreta, minha mente pode vagar para onde meu desejo a levar. Por entre caminhos digitais, por links e mais links, vou criando minha própria experiência, aprendendo, me apropriando e dando novos sentidos.

A informática avança e o mundo muda em seu rastro. Se fecharmos os olhos para este fato, estaremos condenando a nós e nossos descendentes uma vida onde nada pode ser como é e tudo que é parece errado, doentio ou vergonhoso. Voltemos ao exemplo da educação: se a escola não cativa seu alunos e a internet, com sua interatividade, cada vez mais se torna o lugar “real”, por que não transformar a educação em algo assim. Por que não tornar a sala de aula em um lugar que eu não só tenha que estar, mas que deseje realmente ocupar?

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