quinta-feira, 5 de junho de 2014

Eu, Hoje!

“Brace yourself, digital is coming”. Melhor ainda, nós é que estamos indo para lá. Essa constatação se encontra em diversas fontes. Desde conservadores fervorosos e sua crucificação ao novo, até entusiastas tecnológicos. Passamos mais tempo olhando para telas do que janelas. A não ser as do computador.

Você tem Face? Whatsapp? Twitter? Onde você está? Estou do seu lado, estou no seu computador, minhas palavras aparecem no seu smartphone e até em seus óculos. Estou, assim como você, em todo lugar. Estamos digitalizados. Mas não são só as pessoas, tudo está digitalizado. Até o tijolo que constrói a mais simples casa foi, provavelmente, projetado por um computador. Este comanda as máquinas das fábricas (verdadeiras impressoras 3d gigantes) e constroem nossa realidade, prédios, roupas, comidas. Estamos todos digitalizados.

Mas não só fomos “lá” nos digitalizar. Trouxemos esse outro espaço, esta outra realidade, para a ponta de nossos dedos, nossos pulsos e até nossos olhos. Caminhamos a passos largos para uma imersão total, onde nossos sentidos são manipulados para nos fazer acreditar que realmente estamos em Skyrim, ou descendo uma montanha russa. Hoje, pode se considerar que a tecnologia é o que nos conecta com esse outro lugar, essa rede. Mas além disso, a tecnologia passou a ser uma expressão de nossa forma de ser e pensar. Nos ajudam a formar uma imagem e pertencer a grupos. Somos geeks, nerds gamers e hipsters. Usamos Android “rooteado”, gastamos fortunas na App Store e o Steam nos impede de almoçar. Nos tornamos Homos Sapiens Conectus. Estamos lá, e o “lá” está em todos os lugares.

Essa grande mudança de paradigmas trouxe inúmeros desafios. A ruptura do digital mudou drasticamente todos os setores de nossa vida. O trabalho, o lazer, o sentir, o ser. As gerações se diferenciam com poucas décadas. Nossos avós ainda nos pedem para mandar uma “carta pela tal de internet”. A informática é uma estranha, quase uma ameaça. Nossos pais rasgaram seus diplomas de datilografia e aprenderam a usar o word. Esses chegam em casa e ligam a tecnologia de seu tempo, a televisão. A informática é uma imposição, algo desconfortável e opressivo. Nós somos daqui. Desde cedo buscamos nos digitalizar. Entrávamos meia-noite para pagar um pulso. Nós nos conectávamos. A máquina servia para trabalho e, principalmente, lazer. Descobrimos que qualquer informação digitalizada pode ser copiada e compartilhada. Singramos os mares digitais com nossos tapa-olhos e um programa p2p. Tínhamos vidas duplas, eramos o próprio Neo. De um lado, o mundo real e suas angústias, barreiras e dores. De outro a internet, onde íamos aonde nosso inglês deixava. Sabíamos tudo o que o altavista podia mostrar. Quando nos conectávamos éramos invencíveis.

Mas as coisas mudam. Se crescemos na internet, nossos sucessores nasceram lá. Nós nos conectávamos, eles são conectados. Se lá era nosso refúgio de uma realidade limitada, lá é a realidade deles. Fomos digitalizados, eles são digitais.

E daí? Devemos levar nossos filhos a um spa tecnológico? Vamos junto com eles? A tecnologia nos tornou menos humanos? Meu neto se apaixonará por uma inteligência com a voz da Scarlett Johansson?

Aposto que já viram inúmeros profissionais de saúde mostrando os perigos das tecnologias. Como perdemos nossa capacidade de concentração e memória, como nos tornamos dependentes e, no limite, escravos de nossas telas. Na minha opinião, esses profissionais estão baseados em conceitos antigos de mundo e de ser humano. Conceitos cunhados por pessoas como nossos pais e avós. Pessoas inseridas em um mundo completamente diferente, onde o digital é uma imposição ameaçadora. Assim, para elas, as mudanças podem apresentar um caráter negativo. Por conseguinte, comportamentos atuais podem ser encarados como patologias e deficiências. Por exemplo: Antigamente sabíamos uma quantidade razoável de telefones, afinal, não raro ligávamos de telefones públicos e nem sempre estávamos munidos de nossas agendas. Hoje, se sei 10 números de telefones é muito. Será que minha memória é pior? Não acredito. Para mim, a tecnologia possui um caráter simbiótico. Minha memória não está menor, na verdade ela se expandiu absurdamente, dentro dos servidores da Google.

Essa mudança radical de mundo impõe um rearranjo muito complicado para todos nós. Se nos expandimos e nos digitalizamos, passamos a questionar parâmetros básicos para diversas, se não todas, instituições. Por exemplo: hoje, o conhecimento retido por uma lógica de educação bancária não faz sentido diante de um aguçado poder de pesquisa e crítica, afinal, muito mais importante que saber a fórmula de Bhaskara é saber encontrá-la no Google e entender como pode ser utilizada, desconstruída e adaptada. Hoje, não precisamos decorar, precisamos aprender a achar a informação, criticá-la e criar a partir dela. Nossa “tecnologização” nos passa de reprodutores para criadores, verdadeiros artistas da informação. Com a popularização da informação e seu acesso instantâneo (dependendo da velocidade de sua provedora), ela nos permite compartilhar ideias e afetos, afetar e ser afetado, se apropriar de uma imagem de um garoto comendo terra e dar um sentido completamente novo, fazendo-o percorrer por todos os cantos do planeta. Se somos capazes de estar em diferentes mundos, simbolizá-los e transformá-los, ainda somos demasiado humanos.

2 comentários:

  1. Muito bom! Visão rara sobre o tema nos dias de hoje....

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  2. Relembrar 20 anos em um texto. Muito bom! A última linha me fez lembrar Júlio Verne e tive que procurar, então, compartilho: (achei em 2 segundos)
    Singrar - Dicionário inFormal
    www.dicionarioinformal.com.br/singrar/
    Significado de singrar . O que é singrar: Refere-se ao ato do navio "correr". Navio não corre, singra.

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